Em 2015, nasceu no improviso uma ideia que mudaria o Carnaval de Brasília. Catando conduíte, PVC e arame no lixo, um grupo de amigos decidiu que a capital também merecia um gigante para chamar de seu. Inspirados pela irreverência do bloco pernambucano Eu Acho É Pouco, de Olinda, eles trocaram o dragão pelo símbolo mais emblemático do Cerrado: o calango. Assim, da reciclagem e do afeto, surgiu o Calango Careta, que em 2025 completou dez anos transformando a paisagem e o coração da cidade.
O primeiro passo foi a criação da “Calanga”, a alegoria de arame carregada por voluntários. O gesto de conduzir o boneco gigante rapidamente se tornou símbolo de coletividade. Crianças estendiam as mãos para tocar o lagarto, rompendo a barreira entre público e cortejo. Mais que espetáculo, nascia ali um princípio: o Carnaval como experiência coletiva.

Da Calanga à Orquestra: Fabricando o Próprio Carnaval
O grupo pioneiro, hoje a Velha Guarda do bloco, logo percebeu que a estrutura precisava de som. Compraram a ideia audaciosa de formar uma orquestra de rua. Eles não queriam apenas desfilar; queriam fazer o Carnaval. Em uma cidade que, até então, era considerada fria e refratária, o Calango Careta surgiu com a missão declarada de “descaretar” Brasília.
Hoje, o bloco é um organismo complexo e profissional. Conta com arranjos próprios, músicos de alto calibre e uma produção que inclui a Trupe Quero-Quero, seu braço circense, com perna de pau e coreografias que colorem o ambiente. Mas a essência permanece: no Calango, não há plateia passiva. O público, os músicos e os artistas são uma coisa só. “O bloco é o público”, ecoa o sentimento geral.
Abraço de Arame: Acolhimento e Ativismo
O princípio do Calango vai além da festa. É uma reivindicação pelo direito de ocupar a cidade. O bloco é, intencionalmente, um bloco ativista. Suas batidas são um protesto político em forma de alegria, um manifesto que ressignifica os espaços cinzentos do Plano Piloto.
Para muitos brasilienses, o Calango Careta trouxe algo que faltava: um sentimento de pertencimento. A figura gigante do lagarto, ao invés de assustar, abraça. Em seu formato, há um acolhimento simbólico, “como se o objeto encontrasse a sua alma”. Fazer parte do bloco é como trabalhar em uma comunidade, onde cada um tem sua função e, juntos, constroem algo maior.
Quando o Calango sobe com sua fanfarra, é um calafrio coletivo. Uma multidão é arrastada pelo ritmo contagiante, que já faz parte da história recente da capital. O movimento das fanfarras, resignificou Brasília, mostrando que sob o concreto há um cerrado pulsante, cheio de cor, som e resistência.

Por dez anos, o Calango Careta provou que Carnaval não se herda, se constrói. Com ossos de arame, coração de lata e uma alma coletiva, ele segue abraçando a cidade, lembrando a todos que, no meio do cerrado, a maior fantasia é a própria alegria de ocupar.
Para quem vem de fora ou mora na capital, não fique de fora dessa história! Para embarcar nesse calafrio coletivo e sentir na pele o abraço do gigante de arame, corre lá e acompanhe a agenda de folia na página do Instagram @calangocareta. Vista a fantasia, solte o corpo e venha ajudar o Calango a escrever mais um capítulo de alegria, protesto e pertencimento. Afinal, no bloco do Calango Careta, a festa é de todos — e a cidade, também.”
Documentário do Calango Careta.

Rubia de Souza Armini.