Em meio a fortes críticas e acalorados debates, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC da Blindagem” ou, pejorativamente, “PEC 007”, foi votada na noite de terça-feira, 17 de setembro. A proposta, que altera as regras de foro privilegiado e processo contra parlamentares, é defendida por seus apoiadores como uma necessária “segurança jurídica” para o exercício do mandato. No entanto, para uma frente ampla governista, incluindo o senador Renan Calheiros, ela representa o que chamam de “licença para matar, roubar, estuprar, cometer pedofilia” e uma afronta direta à democracia.
O ponto mais controverso da PEC estabelece que, para que um parlamentar (deputado ou senador) seja processado criminalmente por crimes cometidos durante o mandato e em função dele, mesmo com provas concretas já coletadas pela Polícia Federal ou Ministério Público, será necessária a autorização prévia da casa legislativa a que ele pertence (Câmara ou Senado). Essa autorização seria dada por meio de uma votação secreta.
Na prática, isso significa que a decisão de levar à Justiça um colega de parlamento deixaria de ser técnica, baseada em evidências, e se tornaria política, sujeita a acordos, pressões partidárias e lobbies.
A Visão dos Críticos: “Impunidade Universal, Integral e Ilimitada”
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi um dos mais veementes em seu discurso contra a proposta. Ele a classificou como “um tapa na cara da sociedade” e “a PEC da impunidade absoluta”. Em um pronunciamento dramático, Calheiros listou os perigos que enxerga na medida:
- Refúgio de Bandidos: “Nós vamos transformar o Congresso Nacional num refúgio de bandidos. Qualquer bandido endinheirado no Brasil vai querer comprar um mandato no seu estado a procura da impunidade que o Congresso garantirá.”
- Fim da Credibilidade do Congresso: “Será o fim do Congresso Nacional. Este é um processo que transforma a imunidade parlamentar em impunidade universal, integral, ilimitada e desmedida.”
- Criação de uma Casta Intocável: “Vale como crime? Funcionaria como um habeas corpus eterno para criar e principalmente proteger uma casta de intocáveis.”
- Maquiavelismo Político: “Esta proposta é uma construção maquiavélica com etapas posteriores para eludir a própria democracia.”
A crítica central é que o mecanismo de votação secreta remove a transparência, elemento fundamental para que a população possa acompanhar e cobrar seus representantes. Se um parlamentar vota para arquivar o processo de um colega envolvido em um esquema de corrupção, por exemplo, ele o faz sem que o eleitorado saiba, sem prestar contas à sociedade.
A Defesa da Proposta
Os defensores da PEC, majoritariamente da oposição governista, argumentam que a medida é necessária para proteger os parlamentares de investigações arbitrárias, persecuções políticas e do que chamam de “lawfare” (uso estratégico da lei para fins políticos). Eles sustentam que o foro privilegiado, da forma como estava, já era alvo de críticas, e que a nova regra evita que a Polícia Federal ou o Ministério Público possam iniciar processos de forma seletiva para intimidar ou derrubar adversários políticos, transferindo a decisão final para o plenário, que é soberano.
Conclusão: Um Congresso Acima da Lei?
O debate sobre a “PEC da Blindagem” vai muito além de uma mudança processual. Ele toca em um nervo exposto da democracia brasileira: a igualdade perante a lei. A pergunta que fica, ecoando as palavras dos críticos, é: com essa PEC, os parlamentares estarão mais protegidos para trabalhar ou praticamente imunes para cometer crimes?
A medida cria de fato um tratamento jurídico diferenciado e extremamente vantajoso para uma classe específica de cidadãos: os eleitos. Se por um lado busca evitar abusos do poder Judiciário, por outro, pode criar um escudo intransponível contra a prestação de contas, a transparência, pilares de qualquer democracia. O temor é que, como previsto por Renan Calheiros, o Congresso se torne um porto seguro para aqueles que buscam escapar da Justiça comum, e não uma casa do povo.
Rubia de Souza Armini.