O Ministério da Justiça confirmou que a Polícia Federal (PF) abriu investigação para desvendar a origem e a rede de distribuição de metanol utilizada para adulterar bebidas alcoólicas no estado de São Paulo. A situação, considerada “anormal” pelo Ministério da Saúde, gerou um surto de intoxicações a partir de setembro, com números que chamaram a atenção das autoridades federais.
Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (30), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que a PF apurará a origem da substância e não descartou que a rede criminosa atue em outros estados. “É possível que essa rede de distribuição da substância atue também em outros estados”, declarou Lewandowski.
Os dados epidemiológicos reforçam a gravidade. Conforme explicou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o país registra uma média de 20 casos de intoxicação por metanol por ano. “A partir de setembro, foi quase metade das notificações que costumam ter no ano e concentrado apenas em São Paulo, o que chama atenção”, disse Padilha, enfatizando o caráter atípico do surto.
Crime organizado e uma divergência política
O caso tomou contornos políticos com a divergência pública entre a PF e o governo de São Paulo. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, não afastou a possibilidade de participação do crime organizado na adulteração das bebidas. “Não descartamos a possibilidade de ligação do crime organizado com a adulteração”, afirmou.
A declaração vai na contramão do posicionamento do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. O governador tem negado veementemente qualquer envolvimento da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) nas intoxicações, atribuindo o problema a uma questão “estrutural”.
A polêmica da fiscalização
A justificativa do governador, no entanto, esbarra em uma decisão de seu próprio governo. Questionado sobre a crise, Tarcísio defendeu que se trata de um “problema estrutural”. Críticos, porém, apontam para o fim de um sistema específico de fiscalização de bebidas. Até 2016, o estado de São Paulo mantinha um programa de controle e rastreabilidade de bebidas alcoólicas, que foi descontinuado.
A pergunta “A quem interessa o fim dessa fiscalização?” ecoa entre especialistas e opositores, que enxergam na desregulamentação um terreno fértil para a adulteração de produtos. A fala do governador sobre a questão ser “estrutural” foi ironizada em redes sociais, com usuários comparando-a a problemas sociais profundos como racismo e machismo estruturais, argumentando que a falta de fiscalização é uma escolha política, e não uma fatalidade.
O metanol é uma substância altamente tóxica, podendo causar cegueira e morte mesmo em pequenas quantidades. A PF informou que, até o momento, não foi identificada uma marca ou importação específica por trás dos casos, o que amplia o alerta para consumidores. O Ministério da Saúde afirmou que não há indícios de novos casos em outras regiões, mas a investigação da PF busca justamente mapear a extensão completa da rede de distribuição do metanol adulterado.
Enquanto as investigações federais avançam, a população paulista permanece em alerta, e a crise expõe a disputa narrativa entre o governo federal e o estadual sobre quem é o responsável por conter uma ameaça à saúde pública.
Rubia de Souza Armini.